
Oferendas é um disco singular no nosso catálogo. Um registo onde certa ritualidade e vanguarda parecem querer erguer uma paisagem emocional hipnótica, tensa e conturbada.
As faixas de Serpente constroem-se através de uma programação de baterias muito livres e algo dispersas que, a partir de polirritmias, desenham a imagem de um ritmo em constante mutação. Nelas, os acidentes provocados pelo choque de diferentes padrões rítmicos geram momentos de riqueza que mantêm as composições num equilíbrio delicado entre a sua forte identidade e clareza estética, e a eventualidade da sua própria desintegração.
Perda Outra abre o disco com uma sensação de vazio, acentuada por uma imagem estéreo fortemente focada nos extremos, deixando o centro livre para a presença pontual dos sintetizadores e da flauta algo dissonante de Kelly Jayne Jones, que acrescenta tensão e desconforto a uma paisagem já de si duvidosa, desorientadora e alucinatória.
Nas duas faixas seguintes, Em Vida Traz e Sombra de Ra, a energia intensifica-se sem nunca perder uma certa melancolia, evidenciada pelo contrabaixo de Maxwell Sterling e pelos pads algo sinistros que dominam o tema que encerra o lado A do split.
Até que ponto a sombra exuberante da estrela cósmica de Chicago ficará aqui inscrita?
No lado B, os CZN apresentam-se como nos habituaram: enredados na força de um ritmo intenso, constante e metronomicamente rigoroso, cuja tendência hipnótica resulta da insistência na sua própria repetição.
Se em Serpente falávamos de uma liberdade no ritmo que poderia conduzir à sua fragmentação, em CZN essa mesma fragmentação parece inimaginável. Denso, pesado e concêntrico, o ritmo e as suas constantes mutações parecem capazes de se repetir indefinidamente, como um vector.
De facto, quando pedimos aos CZN algumas palavras sobre este disco, foi desta forma que o descreveram:“Cada ponto de um campo vectorial está associado a um escalar; num desses pontos alguns talheres foram descartados. Queres marcar pontos políticos? Marca-os no Redline! Mesmo que te estejas a preparar para a escola de manhã ou a confortar um estranho na estrada, fica certo de que alguém, algures, está a beber e a petiscar em teu nome.”
Críptico? Talvez. Mas não será também a compreensão total e absoluta do mundo negada àqueles que se entregam ao acto cerimonial da oferenda?