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Unconscious Death Wishes POR Paisiel
L&L#114 | Paisiel: Unconscious Death Wishes - VINIL

Na tradição paranormal, Paisiel é, cito, “um anjo da guarda responsável pelo sétimo salão celestial.” Já os Paisiel de Rocket Recordings, duo experimental, juntam um Pais – João Pais Filipe, baterista português e figura central da subcultura da música experimental no país – e um -iel: Julius Gabriel, saxofonista alemão radicado no Porto e igualmente imerso nessa cena. Ou seja, o nome escolhido é tão específico e singular quanto a música que produzem em conjunto, como se pode ouvir no mais recente álbum, Unconscious Death Wishes.


O encontro aconteceu em 2014: João trabalhava numa loja de discos no Porto e Julius entrou como cliente. A conversa revelou afinidades musicais e, pouco depois, uma jam improvisada confirmou a ligação. O projecto ganhou o nome de Paisiel em 2017, já com Julius a viver em Portugal, e no ano seguinte o selo Lovers & Lollypops (a mesma equipa responsável pelo aclamado festival Milhões de Festa, realizado a norte do Porto) editou o primeiro álbum homónimo em cassete. A independente britânica Rocket Recordings depressa lhes apanhou o rasto, editou-o em vinil em 2019 e manteve a parceria para Unconscious Death Wishes, o segundo disco do duo.


Este novo trabalho representa uma progressão a partir de música já de si voltada para a frente. Paisiel compunha-se de três faixas – duas longas e uma final mais curta; Unconscious Death Wishes é uma única peça de 39 minutos, gravada ao vivo em estúdio e sujeita apenas a edições mínimas (impostas pelo formato de LP, mais algumas gravações de campo de Porto e Berlim inseridas no início e no fim). Julius descreve-o como “composição instantânea” – improvisada, mas assente em estruturas previamente compostas.


Embora Unconscious Death Wishes surja fúnebre e subterrâneo ao emergir discretamente da vegetação, a dupla evolui e constrói. Rapidamente entramos num universo de percussão e vocalizações sem palavras – estas últimas como resposta de Julius à performance de bateria de João. Sintetizadores severos de vanguarda electrónica fazem lembrar os Cabaret Voltaire dos anos 80 ou até Muslimgauze, o compositor electrónico DIY falecido e uma das principais influências que os Paisiel reivindicam. O saxofone gloriosamente expansivo de Julius inspira-se em nomes como Rahsaan Roland Kirk e Dewey Redman, enquanto o seu parceiro está simultaneamente solto e preciso: transportem João para uma jam proto-Krautrock de finais dos 60, para um loft jazz nova-iorquino do início dos 70 ou para um desfile de rua brasileiro de qualquer década, e ele aguentaria o pulso sem hesitar.


Depois de o ambiente de festa estranha se instalar, os ritmos tornam-se mais duros, quase industriais; Julius prolonga notas cada vez mais longas e, de repente, tudo se desdobra num caos controlado. A exaltação continua detectável no centro desta música – mas estará tudo bem? Os Paisiel fazem música para transcender preocupações terrenas: Unconscious Death Wishes é a forma de evocarem, nas palavras de Julius, “paisagens, formas, cores, proporções e movimentos”.